Uma breve pausa nas apresentações para sugerir um artigo sobre Cuidados Paliativos e Manifestações Depressivas:
Manifestações Depressivas Identificadas no TratamentoPaliativo no Serviço de Terapia da Dor e Cuidados Paliativos daFundação CECON - Um Estudo de Caso Panorâmico
Retirado de: http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2020-41.html
Romena Bandeira de Melo Arce(1); Dra. Mirlane Guimarães de Melo Cardoso(2)
1.Psicóloga do Serviço de Terapia da Dor e Cuidados Paliativos da FundaçãoCentro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas.Especialista em Psicologia Clínica pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – AM.
2.Médica Anestesiologista e Algesiologista.Chefe do Serviço de Terapia da Dor e Cuidados Paliativos da FCECON.Professora Assistente de Farmacologia da Universidade Federal do Amazonas.Mestre pela Universidade Federal do Ceará em Dor Experimental.
INTRODUÇÃO
A Organização Mundial da Saúde conceitua saúde como sendo o bem-estar físico, psíquico e social do indivíduo ocorrendo conjuntamente e não apenas a ausência de enfermidade ou doença. A partir deste conceito entende-se e confirma-se a relação existente entre mente e corpo tão estudada desde os primórdios da Psicologia e outras ciências afins.A Psicologia tem importância em todas as situações relacionadas à saúde do ser humano, e o psicólogo como profissional da promoção de saúde deve atuar e investigar as implicações emocionais que podem influenciar em patologias orgânicas e vice-versa.No presente trabalho pretende-se demonstrar as manifestações depressivas identificadas em um paciente oncológico em tratamento paliativo na Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas – FCECON. Tal fato justifica-se pela severidade da patologia e a indução de conseqüências emocionais, orgânicas, sociais e espirituais na vida do paciente. O tratamento paliativo torna-se então uma nova área de atuação clínica do psicólogo, já que o paciente geralmente em quadros neoplásicos metastáticos, sem condições então de terapia biomédica de cunho curativo, passa a apresentar alterações psíquicas significativas.
ABORDAGEM PSICOLÓGICA NOS CUIDADOS PALIATIVOS EM ONCOLOGIA
O Tratamento Paliativo é aquele direcionado a pacientes portadores de doença crônica degenerativa em estágio avançado, bem como a seus familiares, no que se refere ao enfrentamento desta fase final, especificamente do câncer, onde não há mais tratamento curativo.(1,8)Esta filosofia de assistência global do paciente em fase avançada da doença refere-se aos hospices, que nos últimos 30 anos vem sendo difundida para o desenvolvimento dos cuidados paliativos principalmente na Inglaterra, país iniciador deste movimento.(8)Para este estudo selecionou-se uma paciente encaminhada ao Serviço de Terapia da Dor e Cuidados Paliativos da FCECON, 64 anos, casada, aposentada, nível socioeconômico adequado, portadora de câncer de mama com metástases ósseas e um importante quadro álgico de difícil controle.O tratamento paliativo direcionado a ela baseou-se nos seguintes princípios:- Afirmar a vida e considerar a morte como um processo normal.- Oferecer alívio da dor e de outros sintomas que causam sofrimento.- Oferecer um sistema de apoio para ajudar o paciente a viver tão ativamente quanto possível até a morte.- Oferecer um sistema de apoio à família no enfrentamento da doença e no processo de luto.Este princípio norteador do tratamento paliativo desenvolvido na FCECON tem proporcionado a esta paciente e muitas outras uma melhor qualidade não só de vida, mas de morte, uma vez que se entende que a morte adequada é a ausência de sofrimento, a preservação de relações importantes, um período para vivenciar os lutos, alívio de conflitos familiares, crença no infinito, exercício de opção e atividades viáveis, consistências com as limitações físicas, tudo dentro dos objetivos de ego ideal de cada um.(1)
TRANSTORNO DE HUMOR: MANIFESTAÇÕES DEPRESSIVAS IDENTIFICADAS NO CASO
A paciente apresentava no início do tratamento psicoterápico o seguinte quadro psicopatológico: angústia significativa, insônia, baixa energia e estima, falta de motivação, além de perda do apetite. Com base nos relatos obtidos durante as entrevistas iniciais identificaram-se características presentes no Transtorno Depressivo Maior Recorrente Moderado.(3)Identificou-se que no caso em tela havia predominância de características melancólicas e sintomas na esfera cognitiva e motora. Porém, os principais sintomas giravam em torno do humor. Inicialmente identificou-se um sentimento profundo de tristeza, angústia excessiva, o que mostra afeto do tipo depressivo. Os sintomas cognitivos identificados foram: baixa estima, pessimismo, atitudes negativas e redução da motivação. Havia ainda lentificação do pensamento e diminuição da expressão por lentidão da fala, ou seja, bradilalia. Esta última refere-se a uma modificação na emissão da linguagem oral por perturbações afetivas, sem que haja comprometimento dos elementos encarregados da articulação da linguagem. Os sintomas motores identificados foram retardo psicomotor na conduta, a chamada hipoatividade, comum em quadros depressivos. Sintomas somáticos oriundos do Transtorno Depressivo em questão, como a alteração do padrão de sono com predomínio da insônia e um padrão alimentar com presença de inapetência.Estas alterações psíquicas identificadas no caso têm explicações também fisiológicas que devem ser consideradas. Relacionam-se tais alterações a um baixo nível de neurotransmissores (norepinefrina e serotonina) com diminuição da atividade neurológica nas áreas do cérebro que são responsáveis pelo prazer.(5)
A IMPORTÂNCIA DA ASSISTÊNCIA PSICOLÓGICA NO TRATAMENTO DA DOR CRÔNICA ONCOLÓGICA
As síndromes álgicas que se manifestam nos doentes oncológicos são freqüentes e mais incapacitantes que as que se manifestam em outras condições patológicas. Freqüentemente decorrem de fatores relacionados direta ou indiretamente com o tumor primário e suas metástases. Menos freqüentemente, essa dor é decorrente dos procedimentos diagnósticos ou de terapias anticâncer, como: mucosites, mialgias, artralgias, neuropatias.(8-10)A paciente em estudo foi encaminhada no ano de 2002 ao Ambulatório de Dor, sendo diagnosticado um quadro de dor mista contínua, severa mista com componente neuropático importante e um estado emocional que estava interferindo negativamente na expressão da dor e nas respostas ao tratamento farmacológico instituído nesta paciente.O fenômeno da dor desde os primórdios da Medicina trata-se de um mistério, já que envolve fatores fisiológicos, emocionais, culturais e sociais. Porém, foi somente a partir do século XX que os estudiosos começaram a considerar o componente psicológico na sensação dolorosa. A expressão da dor é a forma pela qual a dor (experiência que pode ser dividida) é comunicada; esta pode ser verbal ou não-verbal (através de gemidos, atitudes). Neste caso especifico, identificou-se que a paciente demonstrava através de atitudes desmotivadas e pessimistas a dor que sentia.Com a intervenção do tratamento psicoterápico, o quadro álgico estabilizou-se, conseguindo-se assim um controle significativo. Este fato confirma o pressuposto que o quadro de dor apresentado pelo paciente relaciona-se significantemente por questões emocionais. Daí a importância de considerarmos dois princípios básicos na avaliação da dor no paciente com câncer, que são: a dor total (fatores físicos, ambientais, emocionais e sociais) e procurar definir os mecanismos determinantes dessa dor.
CUIDADOS PALIATIVOS CONVIVENDO COM A MORTE COMO POSSIBILIDADE
Ao iniciar o tratamento psicoterápico estabeleceu-se um contrato terapêutico com a paciente, onde é registrada a visão da Psicologia sobre o adoecer, seja ele mental ou orgânico, ou seja, a consideração do indivíduo, como uma unidade soma-psique, procurando manter sua integridade como um todo, um ser singular, dinâmico, dotado de corpo e alma que se desenvolve em um ambiente e nele interage, sendo ele determinante e determinado pelas relações que estabelece.(2)Como em todo processo de adoecer, ao reconhecer o diagnóstico a paciente passa a se perceber enferma, e adota uma nova condição: ser doente e portanto ser passiva. Esta situação inicial se manteve, influenciando negativamente no quadro clínico da paciente, que não estava sabendo lidar adequadamente com as limitações que a doença já lhe impunha. Sentia-se agredida por estas limitações, gerando um conflito interno complexo, além de projetar incertezas no futuro.Seguindo a teoria concebida por Freud no que tange a angústia, pode-se considerar que esta paciente vivenciou esta situação por se deparar com algo que não esperava (notícia da recidiva do câncer). Tal situação provocou um abalo emocional similar à reação de susto descrita ainda por este autor em 1915, quando ele diz que susto é o estado que invade o sujeito exatamente quando o mesmo depara-se com um perigo em relação ao qual não se encontra preparado, ou melhor, protegido.(4)A psicanálise trabalha a idéia da comoção psíquica da perda do sentimento de si que uma situação de choque pode produzir.(6) Tal fato justifica-se pela fantasia onipotente de segurança e de imortalidade. O impacto do diagnóstico neste caso confronta-se com a própria imortalidade e com as angústias correspondentes a este fato.As intervenções psicoterapêuticas nesta paciente foram direcionadas a amenizar todas as reações apresentadas pela paciente na esfera emocional, principalmente as depressivas citadas anteriormente. Utilizou-se a técnica de Psicoterapia Breve de Orientação Psicanalítica neste acompanhamento terapêutico, que se mantém até os dias de hoje.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho apresentou-se uma análise isolada de um caso clínico, mas que retrata a nossa rotina no Serviço de Terapia da Dor e Cuidados Paliativos da FCECON, com intuito de analisar de forma especial o Transtorno Depressivo dos pacientes oncológicos, já que os sintomas apresentados, sejam eles da esfera cognitiva, afetiva, motora ou social, geram seqüelas emocionais intensas nestes pacientes, principalmente naqueles que se encontram na fase de terminalidade, onde a angústia diante da finitude se torna algo aterrorizante para o psiquismo do ser humano.Com o tratamento oferecido pela equipe de Cuidados Paliativos da FCECON obteve-se no caso em estudo diminuição dos principais sintomas depressivos apresentados, além de propiciar um reforçamento egóico mais adaptativo diante da morte. A paciente demonstra estar lidando de forma mais adequada com o processo de adoecimento psíquico e orgânico no qual se encontra.
REFERÊNCIAS
1. Carvalho MM. Psicooncologia no Brasil: resgatando o viver. São Paulo: Summus;1998.
2. Camon VAA. E a psicologia entrou no hospital. São Paulo: Pioneira; 1996.
3. DSM – IV. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1995.
4. Freud S. Nossa atitude para o tempo de guerra e morte (1915). Em: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago; 1996. Vol. XIV.
5. Holmes D. Psicologia dos transtornos mentais. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1997.
6. Labaki ME. Morte – clínica psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2001.
7. Julio MF. Psicossomática hoje. Por Alegre: Editora Artmed; 1992.
8. Twycross RG. Terminal care of cancer patients: hospice and home care. In: Bonica JJ. The management of pain. 4ª ed. Philadelphia: Lea & Febiger; 1990. p. 445-460.
9. Pimenta CAM. Aspectos culturais, afetivos e terapêuticos relacionados a dor do câncer. [Tese Doutorado] Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo: 1995; 132p.
10. Cardoso MGM. Efeito potencializador do antineoplásico paclitaxel (taxol®) na hiperalgesia inflamatória experimental induzida pelo zymosan. [Dissertação de Mestrado] Apresentada ao Depto. de Fisiologia e Farmacologia – UFC. 2003.
Colaboração de Roseli Pieroni (Psicóloga)
O sítio do INCA, no setor de publicações, tem um conteúdo sobre câncer muito variado (inclusive cuidados paliativos) e os arquivos podem ser baixados em pdf. Dêem uma olhada no endereço:
ResponderExcluirwww.inca.gov.br/publicações/
Acho que este endereço poderia ser incluído nos links
beijos
Marcos Brasilino